terça-feira, 8 de julho de 2008

Repórter e Mãe

Depois da brincadeira, da descontração de quem cobre o dia a dia da reportagem de segurança pública no Rio, esbarrei ontem em uma questão que juro, me deixou muito abalada.

Como repórter há 18 anos, juro que já vi muita coisa no dia a dia das tragédias que semprem enchem as páginas dos jornais e os noticiários de televisão. Algumas mais comoventes, outras não, mas como o hábito faz o monge, aprendi a ser fria, separar o trabalho da vida pessoal e "desligar o botão" quando chego em casa depois de mais uma cobertura de tragédia onde não faltam mortos, vítimas da violência urbana no Rio de Janeiro. Depois de tanto tempo de trabalho, duas coisas me comovem e me tiram do sério, me fazendo parar para pensar: a violência com idosos e com crianças. Foi assim quando eu cobri o caso Santa Genoveva e muitos outros.

Dessa vez, ao chegar ao jornal para trabalhar na segunda-feira, me deparo com uma notícia horrível no jornal: um menino de 3 anos, vítima de uma imprudência e do despreparo policial. O pior é que eu estava na apuração e ouvi no rádio que o menino, que tinha o Homem Aranha como herói, estava morto. Foi constatada a morte cerebral. Um João, mais um João, como foi o João Hélio, esse último nas mãos de bandidos cruéis que o arrastaram. E dessa vez? O João, era o João Roberto, que vinha com sua mãe de uma festa infantil. Coincidência? Ele também estava no carro com a mãe. Mas não tinha bandidos, não tinha assalto. O que aconteceu ali foi uma ação dos "homens da lei". Dos caras que meus impostos pagam os salários deles. Pagos para me proteger , para proteger aquela mãe que voltava para casa com suas crianças.

Mais uma vez, depois do João Hélio, cuja cobertura jornalística, graças a Deus não fiz, porque não iria aguentar, uma outra mãe perdia o seu filho. Sou jornalista, vivo cobrindo tragédias, mas também sou mãe. Me coloco no lugar dessa mãe, que na angústia de ver os policiais pararem de atirar, jogou pela janela de seu carro a bolsa de bebê. Eu também me senti um pouco a mãe do João Roberto. Vi a cena dela chorando no caixão, o pai desesperado e............chorei. Como fica essa mãe que teve arrancado do seu convívio o sorriso lindo que hoje (dia 08/08) estampou todas as primeiras páginas dos jornais. Como fica essa mãe? Aceita simplesmente o pedido de "desculpas" do secretário de Segurança? OU ouve passivamente a PM dizer que os policiais militares agiram de forma imprudente. Que fizeram uma "merda".

A Alessandra, como a mãe do João Hélio, nunca mais vão ouvir aquele grito gostoso de seus filhos gritando "MANHê", estou com sede, "MANHê", estou com medo, me cobre? EStou com frio. Agora paro e olho para minha filha. Está dormindo. Vai acordar e dizer " bom trabalho Mãe". E eu vou para a rua fazer minhas matérias e cobrir a tragédia diária que impossibilita essas mães de ouvir o "EU TE AMO" mais maravilhoso do mundo que é o de seus filhos. Acho que mesmo trabalhando, não teria coragem de olhar nos olhos dessas mães. Ou talvez iria abraçá-las e chorar junto.

Enfim, até quando? Será que a situação vai continuar assim e eu vou ter que fazer coberturas como essas? Será que nossos governantes, secretários de Segurança Pública, chefes de Polícia Civil e Comandantes da PM vão continuar a agir assim? A simplesmente pedir "desculpas" e é a vida que segue até acontecer a próxima vítima? Gente! Autoridades! Parem! Pensem! Esse é o desabafo de uma repórter de polícia sim, mas acima de tudo uma MÃE.

8 comentários:

Alan disse...

Legal Ana .. Gostei do seu Blog. O legal que você pode utilizar este meio para dizer o que realmente você viu no momento do crime sem cortes e sem censuras. Otima iniciativa. Serei um leitor diário do seu blog.. Beijos ... ah e aquele chopp ? Vai rolar :) Alan Carioca .. bjs

ana claudia disse...

Realmente é revoltante já não sabemos mais a quem temer se os bandidos ou a polícia,que mais corrupta do que nunca não inspira confiança na população.É um problema muito grave.
As leis teem que ser modificadas para que todos sejam punidos de forma correta.

"CHEGA DE IMPUNIDADE"

Giselle disse...

Cláudia, eu entendo o desabafo do qual também comungo. Entretanto, acredito que esses momentos servem para reflexão...
Devemos nos perguntar que sociedade é essa que estamos construindo? Onde policiais matam indistintamente, jovens e crianças se agridem até quase a morte e, militares entregam pessoas para que o tráfico elimine.
Assistir essas notícias virou banalidade!
Ninguém mais se assusta ou se constrange com um "presunto" na rua. Assistimos os jornais, tomamos nosso café e vamos para o trabalho como se não tivéssemos culpa, como se nada nos atingisse.
Contudo, devemos lembrar que NÓS somos o Estado, NÓS temos responsabilidade, NÓS podemos mudar a sociedade!
É chegado o momento de agir para mudar essa realidade, mas não é fazendo passeata, não (isso é ineficaz).
Devemos parar de aplaudir quando um policial, desrespeitando as leis vigentes, executa qualquer pessoa (seja bandido ou não). Devemos parar de pagar por aquele "cafezinho" que nos livra da multa de trânsito.
Devemos ensinar aos nossos filhos o respeito aos mais velhos e às leis...
Enfim, devemos agir com eticidade, assim como no tempo de nossos avós, quando a palavra dada garantia de cumprimento de uma obrigação!

E, para terminar essa breve reflexão eu pergunto: E se naquele carro realmente estivessem os bandidos? Aplaudiríamos ou não os policiais? Pensemos nisso.

Giselle Azeredo Drubi
Advogada

Unknown disse...

Mais uma vez chorei.....Chorei pq sou mãe, sou mãe de um João e todas as mães partilham um pouco da dor dessa mulher que jamais poderá ver o seu filho novamente. Penso, que mundo é esse? Que sociedade é esta que está matando as suas crianças ? Até quando vamos viver essa guerra ? Tudo isso é muito triste e demonstra o que ponto lastimável o ser humano está chegando....
Aline

Guilherme Marcatti Vizane disse...

A sociedade tem dado muita autoridade para a polícia fazer a "higienização", exterminando bandidos em vez de prendê-los e levá-los a julgamento. Há muito, estudiosos tem alertado para o monstro que essa sociedade vem criando. Ele já está ficando descontrolado e ameaçando a própria sociedade. Isso eles já fazem há muito tempo nas comunidades carentes. O Rio tem a polícia que mais mata no Brasil. Isso vem sendo divulgado através do jornais desde o ano passado. Agora estamos vivendo essa situação graças a busca fácil de soluções para resolvermos o problema de segurança pública.

Unknown disse...

Todos nós precisamos pedir desculpas. Observamos passivamente nossa sociedade se destruir e nada fazemos para impedir.
Lotamos os estadios de futebol e as arquibancadas no carnaval. Pagamos pra isso.
Não nos organizamos, não exigimos que exista realmente um estado de direito.
Nos faltam lideranças e quando pensanos ter encontrado; elas se corrompem.
Os policiais erraram sim mas o que dizer das autoridades que os colocaram nas ruas sem preparo?
Essas autoridades nós os colocamos lá.
O que fazer? Não sei.
Peço desculpas.

Paulo Drubi.

Unknown disse...

Ana,
Também chorei muito e agradeci por não estar mais na rua e não fazer esta matéria. Não sei se agüentaria.
O pior é ouvir seu filho perguntar, "mãe, por que a polícia matou o menino se ele não era bandido?"
Adorei o blog. Estarei sempre por aqui.
bjos,
Bia

Gwynn ou Sandy (depende do dia) disse...

Lindona
Não sou mãe, mas mesmo assim chorei lendo esse post. É inadmissível que tantas mães, pais, tios, tias, avôs tenham que chorar diante do despreparo daqueles que - em tese - devem nos proteger.
Bjks
Sandresa